Mario Bernardo Sesta – Ex-Procurador-Geral do Estado do Rio Grande do Sul e Diretor de Defesa de Prerrogativas da APERGS

É assaz curioso que arautos com telhado de vidro estejam armando a maior polêmica a respeito da única , note-se bem, em toda a estrutura administrativa brasileira, federal, estadual e municipal, da única vantagem devida a agentes públicos, em sentido estrito, que não é suportada pelos cofres públicos. Os honorários sucumbenciais da Advocacia Pública são pagos pela parte que litiga com o ente público e resulta derrotada. Todas as verbas, quotas, auxílios, que são legitima e legalmente pagos, a condutores políticos, parlamentares e agentes públicos em geral, são suportadas por recursos públicos. Ainda que dificilmente generalizável, trata-se de solução indiscutivelmente inovadora, sem descambar para a meta de minimização do Estado, sustentada em prol de inconfessáveis interesses.

Depois de a matéria ter sido pacificada por inúmeras decisões do STF, uma específica referida ao Estado, consolidadas pela res judicata, bem como por uma decisão favorável do TJRS, e que possivelmente esteja sendo afrontada por recente decisão da Assembléia Legislativa, levantam o brado da imoralidade.

Apesar de não ser paga com dinheiro público, seu recebimento foi sujeito ao teto constitucional da remuneração pública por todas as decisões prolatadas pelo STF, num viés evidente de política remuneratória destinado a manter a equivalência remuneratória das carreiras jurídicas. O teto constitucional das remunerações públicas é o parâmetro constitucional da moralidade na matéria. Foi esse um dos argumentos, senão o principal, de sua introdução.

Portanto, paga com recursos privados e sujeita a teto: onde a imoralidade? Por que tais parcelas seriam imorais se, outras, com as mais diversas finalidades e denominações, todas pagas pelos cofres públicos, convivem com os subsídios de inúmeros agentes públicos remunerados dessa forma, inclusive parlamentares, a maioria delas, quiçá todas, não sujeitas a teto?

E mais: o direito à verba sucumbencial foi instituído por disposição expressa de lei federal – CPC. A matéria diz respeito, simultaneamente, ao exercício da Advocacia* e a Processo Civil**, ou seja, faz parte, por expressa disposição constitucional (CF Art,22, I e XVI), da esfera de competência legiferante privativa da União, estando, portanto, excluída dos poderes remanescentes (CF Art.25, §1º), em torno dos quais se organizam as autonomias estaduais. Disso decorre ser flagrantemente inconstitucional, nula e de nenhum efeito, qualquer lei estadual que disponha a respeito, mormente quando tenta excluir a vantagem.

Por fim, é constitucionalmente impossível deduzir, da leitura da segunda parte do texto do parágrafo 19, do Art. 85, do CPC, a possibilidade e, muito menos, a necessidade de edição de lei local .

Nem se imagine que uma réstia de competência tenha sido devolvida aos Estados, nessa matéria, pelo disposto na parte final do parágrafo 19, do Art. 85, do CPC, combinado com o parágrafo único, do Art.22, da CF, porque este dispositivo constitucional condiciona expressamente a hipótese exceptiva à autorização mediante lei complementar, e, no constitucionalismo brasileiro, lei complementar não se presume; deve ser como tal denominada e votada segundo rito próprio.

Como os agentes da Advocacia Pública são uma coletividade orgânica cabe inquestionavelmente ao respectivo condutor regulamentar a distribuição dos valores correspondentes à sucumbência.

Sem dúvida o conhecimento de tais temas pode não estar ao alcance de inúmeros parlamentares, mas não escaparia ao exame das competentes assessorias. Resta pois a desconfiança de que se trate de tentativa de desautorizar as decisões judiciais que frustraram um mote pseudo moralista de campanha eleitoral urdido com vistas a 2022.

*Lei Federal 8906, art. 23

**CPC, art 85, § 19

Fonte: apergs